Volta

Volta, eu acordei.
O dia tá lindo. Uma praia, o mato, frescor, uma redinha. O largo na mesma paz sem voz de sempre.
Passou.
Preciso mesmo viajar. Eu sou de lua e você sabe, sempre soube.
O meu bem meu mal é não viajar.
Vamos viajar?

Quebra-cabeça de 100 peças

Eu nunca gostei de montar quebra-cabeça. Me quebrava a cabeça, a paciência e me achava jogando um tempo fora. Hoje continuo não gostando de montar quebra-cabeças, mas eles estão aí. Ou eu monto, resolvo o problema que está na minha cara, ou o vento vai espalhar as 100 pecinhas.
Para quem está acostumado a montar quebra-cabeças, juntar 100 pecinhas é moleza. 100 peças pra mim é coisa pra caramba. Talvez se eu tivesse exercitado essa façanha na infância, seria mais fácil agora encarar esse quebra-paciência. Mas o SE não existe na história. Taí a realidade, tenho que encarar.
Olho pro lado. Meus problemas são realmente pequenos diante da imensidão de doenças, de desastres, da fome, do analfabetismo, da miséria. São meus, um quebra-cabecinha de 100 peças? moleza resolver.
Conto um conto, aumento um ponto. Eu dou um puta valor pra tudo. Valorizo, elogio, me empolgo. Com as coisas inúteis também. Que linha tênue essa coisa de valor. A gente passa pela infância admirando e acreditando no que nossos pais nos mostram. A gente cresce cheio de coisas que não foram resolvidas na infância. A gente enlouquece tentando mudar nossos valores. A gente consegue ser a pessoa que desejamos ser. Vem um vento e desmonta o quebra-cabeça todo de novo. Aquele quebra-cabeça pequenino que você demorou anos pra montar.
Antes do vento tem sempre alguém pra te falar pra tomar cuidado, que o quebra-cabeça é frágil, uma brisa leva tudo.
Escolhi um quebra-cabeça com peças de madeira. Ía demorar o mesmo tempo para montá-lo, mas depois de montado, era mais difícil de ser desmontado. Consegui. Mas estava faltando uma peça, uma única peça. Caramba, veio com defeito ou eu a perdi? Poxa, que fácil colocar a culpa no fabricante. Eu a perdi, até mesmo porque fiquei anos pra montá-lo. Aquela mesa de centro que passou anos com as 100 peças em cima mudou de lugar, mas estavam todas lá. Ah! veio alguém e limpou. Será que foi ela? É fácil culpar alguém. Não importa quem foi, importa que o quebra-cabeça é meu e eu que sou responsável por ele. Perdi.
Um belo e iluminado dia passo pela mesma mesa, intacta por sinal, cheia de poeira, e vejo que aquela peça que falta não faz a menor diferença na foto do quebra-cabeça. É aquela peça que tem uma cor só, quase do canto do brinquedo, que não impede que eu entenda o que há na foto. Puxa, como eu pude ser tão tola e perder um tempo tão precioso da minha vida saudável e perfeita com uma peça, uma única peça?? Acordei.
Não gosto de quebra-cabeça mesmo.